sexta-feira, 17 de setembro de 2010

FINALMENTE SE AJOELHOU


Foram dois minutos intermináveis. Ele caminhava de um lado para o outro do quarto.
“Terminou”, pensou Clarice, sentada na cama e acompanhando cada passo que ele dava. Eram passos cadenciados. Pareciam marcados para uma coreografia. Os sapatos dele faziam barulhos graves no chão.
Ele a olhava de cima, sentindo uma mistura de todos os sentimentos, menos culpa. A culpa era dela. Ela que tinha traído. Ela que tinha conhecido outro homem. Ele sabia de tudo.
Clarice continuava olhando para aqueles passos nervosos. Pensava em quanto havia tentado evitar tudo aquilo. Mas o acúmulo de mágoas fez com que o corpo dela não se movesse mais para ele. A pele já não se arrepiava, a mão não acariciava, a boca não abria, os olhos não se fechavam....até que apareceu o outro homem.
Uma chuva pesada começou a cair e o barulho dos pingos grossos se confundia com os dos sapatos.
Clarice se deitou na cama olhando para o teto e, por um momento, pensou ter apoiado a cabeça no peito do outro homem. Fechou os olhos e apenas escutou a chuva, os barulhos graves no chão haviam sumido. Ela entrou em um momento só seu. Tocou com as pontas dos dedos os lábios do outro homem, que, imediatamente, encostou o seu corpo no dela. Cada pedacinho da pele de Clarice tremia e ela entrou em sintonia com a vida novamente.
Escutou o barulho grave no chão. Ele voltou, parou em sua frente e se ajoelhou, colocando os cotovelos nas pernas dela, que já estava sentada. Deu um beijo em cada olho de Clarice, agarrando o seu rosto com as duas mãos. E, com uma voz suave, sentindo finalmente a culpa dentro dele, pediu perdão.



Cordoba - Argentina, 2005.




segunda-feira, 6 de setembro de 2010


Céu azul acinzentado; árvores esturricadas, duras, tesas; grama seca, palhenta.
Mais de 100 dias sem chuva. Falta ar. Parece que estou em uma cúpula gigante de vidro. Toda vez que vislumbro a Esplanada, sinto que a terra é realmente redonda. E que estou dentro dessa cúpula inquebrável e sufocante, igual ao episódio dos Simpsons, onde Springfield está tão poluída que precisa ser isolada por uma redoma de vidro. Aqui, a poluição está fora da cúpula, mas parece que o ar também ficou por lá.
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