domingo, 29 de maio de 2011


Supostamente, o som do carro não ia tocar nada que melhorasse o clima.
Ela estava com muito sono. Chovia pingos finos no vidro. Só queria voltar pra casa, fechar a porta do quarto, apagar a luz e acordar dois dias depois, alheia a tudo e a todos. Ele estava em prantos no banco do carona. Demorou tanto para soltar o choro e agora escorregava nele, se ensopava dele. Por ela, ele podia se sufocar na própria água. Ela afundou o pé no acelerador e ele colocou o cinto pra mostrar que estava com medo. Seguiram ouvindo apenas as palavras cantadas nas músicas, algumas, que às vezes, até se encaixavam, perfeitas, na situação, parecendo trilha composta para filme. O carro deslizava na pista como em piso de mármore, sem atrito. Nada de obstáculos. Nada de motoristas barbeiros interpondo o caminho.  Só a chuva e o vento e o peso dos pensamentos. Um sentimento de tristeza que deveria durar, sem passar tão rápido dentro dele, sem correr junto com o sangue pra ser eliminado totalmente após o circuito.

Um dia, em algum lugar, eles se conheceram e quando conversaram, se amaram. E passaram muitos dias sem sair de casa, subindo com as pernas na parede. Encostados no colchão que ficava em cima do chão, junto de diversas outras coisas espalhadas por aí - dois copos de água sujos de suco de uva; um cinzeiro transbordando de bagas de cigarro e uma pontinha de um baseado na borda; uma garrafa de vinho carmenere; uma caneca melada de resto de leite condensado, misturado com ovo maltine, comido colher por colher, bem devagar; 3 dvds de Groucho Marx e o livro de Sérgio Sant’anna “O Monstro” que estava na bolsa dela quando se encontraram. O lençol era uma mistura de cheiros - perfume, suor, baba, sexo, comida.
Grudaram nos primeiros meses. Saíam pra trabalhar e só pensavam em pular um em cima do outro, com declarações ridículas e promessas de afeição eterna. Ela passava todas as noites na casa dele e os finais de semana eram reclusões. Assistiam filmes, ouviam música, dançavam, bebiam, quase não dormiam ou, às vezes, dormiam o dia todo.

Mas nem tudo era o que parecia. Essa perfeição de novela. Dentro dela as coisas não eram tão inteiras, partiam da agonia para o medo. Tinha alguma passagem nele que nunca ficava muito clara. Era a pergunta simples que ele nunca respondia, o jeito como ele a tocava, as vezes que ele não ficava excitado - ou deixava de ficar em momentos cruciais.

Mesmo apenas no início da relação, ela entendia que o futuro com a obscuridade dele seria o seu estrago. E foi. 

2007

Ilustração - Pati Woll

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quinta-feira, 26 de maio de 2011

E um dia aconteceu o inesperado. E nesse dia, ouvi uma voz bem suave ao meu ouvido: “Não saia do sonho. Fique aqui comigo.”
Que medo do sonho virar pesadelo. Medo de que tudo que começa muito intenso um dia pode virar desencanto.

Eu sou diferente, o intenso, com o passar do tempo, cresce, fica melhor, mas se torna, muitas vezes, impossível, de tão carregado. E a intimidade não me incomoda em nada e nem todas as coisas que todos acham insuportáveis, como, rotina, hábito, grude, ciúme, posse, sexo com a mesma pessoa, telefonemas, mensagens. Ser verdadeiro é o que me interessa. E viver o sonho na realidade é a minha melhor fantasia.

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sexta-feira, 20 de maio de 2011


“Todas as pessoas do mundo estão erradas e só você está certa??”
Ouvi essa pergunta tantas vezes, mas, tantas vezes, que já perdi a conta. E ouvi também de quem nunca deveria ter ouvido.
E quer saber: “Infelizmente, quase todas as pessoas do mundo estão erradas e eu estou certa mesmo!
“Você é louca!”
“É. Devo ser. E ser louca é ruim??
“Não quero nem saber. Só sei que quero distância.”
“Ok. Nada melhor do que o passar do tempo, para aproximar a minha loucura da sua dor.”

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segunda-feira, 16 de maio de 2011


A paixão por ele começou quando ela estava trêmula de medo e ele segurou na sua mão. Foi assim - como uma flechinha de cupido mesmo. Uma flechinha cheia de entusiasmo e esperança. Ele apertou a mão dela e passou uma segurança que, depois ela soube, ele nunca teve. Mas ela tentou. E esperou. Esperou ele resolver querer. E esperou. Esperou ele querer aceitar que precisava dela. E esperou. Esperou ele ir embora.
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sexta-feira, 13 de maio de 2011



Há muito tempo não via cor no meu rosto.
Hoje fiquei com as bochechas vermelhas, voltei a caminhar.      
Nunca tinha caminhado sozinha. Marquei com uma amiga, mas não encontrei com ela, então, ainda meio despreparada, sem saber onde botar o celular, a chave do carro, o dinheiro da água - coloquei fones no ouvido, selecionei  músicas mais animadas no ipod e comecei a andar lentamente, aumentando o passo a cada volta. A música quase me fez dançar naquela praça e muitas vezes me peguei  balançando o corpo, como se estivesse em uma pista de dança.
Caminhei em ritmo acelerado, parecendo buscar algo.
Andar comigo mesma, me deixou corada e com a cabeça bem mais leve.

Ilustração - Pati Woll

segunda-feira, 9 de maio de 2011


Voltando ao corpo, tão cultuado e tão modificado para que fique em padrões comestíveis, e que é tão sem importância para mim.
O importante para uma “boa refeição” é a intimidade, é a cumplicidade, é a confiança, é o sentir, acima de tudo.
E esse sentir é amor?
Mas algumas muitas pessoas só precisam assistir ao corpo, uma bunda empinada e dura, um peito empinado e duro, uma pele restaurada e bem hidratada.....e lá vem junto ao corpo a palavra que detesto: efêmero.
O amor efêmero pelo corpo é eterno?
E venha cá.........quem bulhufas quer se preocupar com a eternidade hoje em dia?

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sexta-feira, 6 de maio de 2011

SER MÃE


Quando engravidei, desde o início, tive certeza que era um menino. Queria muito ter um filho, que seria para sempre meu companheirinho lindo. Agradeço a Deus, todos os dias, por ter colocado esse ser humano maravilhoso na minha vida.
Depois que Luquinhas cresceu, por diversas vezes, tive vontade forte de ter uma menininha, mas, não tinha condições financeiras para bancar sozinha mais um filho. Então pensava: vontade, do mesmo jeito que vem, vai. E era isso que acontecia. Me contentava com a tranqüilidade e a liberdade de já ter um filho grande.
Uma vez, essa vontade veio tão forte que cheguei a fazer promessa de que teria minha filha de qualquer maneira. Não consegui cumprir.
Sorry, God.
Quando achei que tinha encontrado um homem para amar e ser amada, descobri que esse homem tinha pavor de, até pensar, na possibilidade de ser pai. E o tempo foi passando e eu cheguei mais perto de não poder ser mãe outra vez.
Para mim, romântica incorrigível, ter um filho de quem se ama é a maior demonstração de amor e companheirismo. É uma ligação para o resto da vida.
O tempo passa rápido, e, hoje, superficialmente, me acostumei com a idéia de que não verei a carinha de minha filhinha, mas, lá por dentro, bem no meu íntimo, tenho uma terrível sensação de derrota.


Ilustração: Pati Woll

domingo, 1 de maio de 2011


Hoje, soube que a versão verdadeira da história do príncipe/sapo é bem diferente da que sempre conheci.
Aquela história de que o sapo recebeu um beijo e a partir daí virou um príncipe, não é bem assim.
Não sei como começa, mas depois que o príncipe vira sapo, ele é condenado a ficar ao lado da princesa em todas as suas atividades diárias. Se a princesa vai tomar café, o sapo prontamente se coloca ao lado dela; se a princesa vai ler um livro, o sapo fica ao seu lado; se a princesa vai ao jardim, o sapo vai acompanhando e por aí se vai a história, até que a princesa resolve ir dormir. Entra no quarto, levanta a coberta e quando está deitando na cama, o sapo dá um pulo direto no travesseiro do lado dela. Na mesma hora, ela se levanta e grita para o sapo sair. Ele responde que não vai sair. Ela grita mais alto, mas ele continua no mesmo lugar. Irritada ao extremo, a princesa pega o sapo e o atira contra a parede com muita força. Nessa hora, o sapo vira um príncipe lindo!
Pois é............. existem sapos que só se transformam em príncipes, após uma boa porrada. Beijos não adiantam. Mas, também existem sapos que mesmo com todo beijo ou toda porrada do mundo, nunca deixarão de ser sapos.