segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

EM ALGUM DIA

Descoberto em 2008, no aeroporto de Curitiba, em algum dia, enquanto esperava Ricardinho chegar....................: Mario Benedetti

"Domingo, 17 de março

Se alguma vez me suicidar, será em um domingo. É o dia mais desalentador, o mais insosso. Gostaria de ficar na cama até tarde, ao menos até a as nove ou dez, mas me acordo sozinho às seis e meia e já não consigo pregar os olhos. Às vezes penso no que farei quando minha vida toda for um domingo. Quem sabe, talvez me acostume a despertar às dez. Fui almoçar no centro, porque os meninos foram passar o fim de semana fora, cada um para o seu lado. Comi sozinho. Não me senti sequer capaz de entabular com o garçom o recorrente e tradicional intercâmbio de opiniões sobre o calor e os turistas. Duas mesas adiante, havia outro solitário. Tinha o cenho franzido, partia os pãezinhos com golpes duros. Duas ou três vezes o olhei, e em uma oportunidade nossos olhares se cruzaram. Creio ter visto ódio ali. O que haveria para ele em meus olhos? Deve ser uma regra geral que nós, solitários, não simpatizemos uns com os outros. Ou será que simplesmente somos antipáticos?

Voltei para casa, tirei uma sesta e me levantei pesado, de mau humor. Tomei alguns mates e me cansou o amargor da bebida. Então me vesti e fui outra vez para o Centro. Desta vez me meti em um café; consegui uma mesa junto à janela. Em um lapso de uma hora e quinze minutos, passaram exatamente trinta e cinco mulheres interessantes. Para me entreter, fiz uma estatística sobre o que me agradava mais em cada uma delas. Registrei os dados em um guardanapo de papel. Eis o resultado. De duas, agradou-me mais o rosto; de quatro, o cabelo; de seis, o busto; de oito, as pernas; de quinze, o traseiro. Ampla vitória dos traseiros."

Mario Benedetti, A Trégua, 1960 - Uruguai

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