domingo, 26 de dezembro de 2010

A VELHA

Clarice saía de casa aos domingos às seis da manhã. Andava até o ponto de ônibus e esperava quase uma hora. Depois de mais outra hora, chegava perto de seu destino. Neste dia ela não estava só, ele a havia seguido.
Quando desceram do ônibus, caminharam por alguns minutos. Não se olhavam. Chegaram e subiram as escadas calados. Não adiantava falar. Ele não a entendia mais.
Clarice tocou a campanhia e os dois escutaram dentro do apartamento, quando a velha se levantou da cadeira e cheia de dores no corpo se arrastou até a porta. Com um sorriso nos olhos recebeu Clarice. Elas se abraçaram, até que a velha viu o homem. “É ele!” pensou. “É por ele que Clarice está ficando tão feia”.
Clarice gostava de passar por lá todas as semanas. Entrava na solidão da velha para ouvir suas histórias. Conversavam sobre sentimentos.
Sentaram-se e a velha olhando para o homem perguntou a Clarice sobre a felicidade.
Desconforto. Ficou sem palavras. Como falar de algo apenas imaginado e nunca sentido. As coisas em sua vida aconteciam sem nenhum significado especial.
Ela achava que a felicidade era momento - espaços pequenos ou grandes de tempo que não eram contínuos.
Já que a felicidade não podia ser inteira, ela preferia ficar de longe, só olhando e nem por um momento pensar em se envolver com essa ilusão chamada felicidade.
Clarice não respondeu. Mudou de assunto.
A velha continuava olhando para o homem. Ele não se alterava, nem por fora, nem por dentro. Frio dormia, frio acordava, frio se comportava diante das pessoas.
A velha foi ficando triste. Se sentindo impotente, sem forças, apática.
Clarice, neste dia, tinha ido ao encontro dela, não para ouvir as suas histórias, mas para sugar a sua alma.



Cordoba-Ar-2005

Um comentário:

  1. Clarice minha filha, o que foi isso? Primeiro acorda às 6h da madrugada e depois suga a alma da criatura, tá demais viu.
    Adorei o texto.

    ResponderExcluir