quinta-feira, 1 de setembro de 2011


Clarice devia ter uns sete anos quando viu de perto, pela primeira vez, aqueles dois pedacinhos de vidro, presos por uns fios de ferro. Ficou encantada. Não tirava os olhos do rosto daquele jovem, que entrou na sala, enquanto ela arrumava, junto com sua mãe, a mesa para o jantar.
Era filho de uma prima distante e iria morar com eles por alguns anos, até terminar a faculdade de letras.
O rapaz foi levado ao quarto que seria dele. Ficava no andar superior da casa, em frente ao de Clarice. Era uma vida que acabava de começar.
Após o jantar, foram para a biblioteca. Clarice deitou no colo do pai. Sua mãe, como de costume, abriu um livro, que não era para crianças, e começou a ler um conto, em voz alta. O jovem se adaptou perfeitamente a esse costume de leitura noturna e logo nesta primeira noite, com muito prazer, leu um texto que havia selecionado de um dos livros.
Clarice parecia enfeitiçada por aqueles vidrinhos mágicos e seus olhos não mudavam de direção enquanto ele lia. Hipnotizada, olhava fixamente para aquelas duas íris cor de mel, dilatadas, atrás dos vidros.
Depois de ler a última palavra escrita na página, ele se calou, fechou o livro e tirou os óculos. Clarice, ainda em seu estado de torpor, os seguiu com os olhos enquanto eram colocados, pelo jovem, na mesinha de centro.
Todos foram dormir, menos a pequena Clarice, que esperou ansiosa as luzes se apagarem, para tocar naquele tesouro que havia sido esquecido por seu dono.
Com muito cuidado pegou aqueles vidrinhos que pareciam vivos, e, exatamente como o jovem fazia, colocou em seu rosto.
A sala começou a mudar de cor, ficou mais clara. No forro da poltrona à sua frente, apareceram várias florezinhas que nunca estiveram ali. Os livros, ao invés de terem manchas brancas em suas capas, agora tinham títulos, palavras, letras. Coisas começaram a surgir do nada. Ela descobriu um outro mundo ainda nunca visto.
Agora, sabia que por trás de toda explicação lógica que sua mãe havia lhe dado, sobre a importância daqueles vidrinhos, existia algo especial. Algo como a paixão. E, que, apesar de ser apenas uma menininha de sete anos, nunca mais queria ver a vida de outra maneira.
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Cordoba, 2005.

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