domingo, 15 de março de 2009

SIAMESAS

Estavam grudadas. Gêmeas siamesas. Uma loura, outra, morena. Andavam assim de braços colados - uma, o direito, outra, o esquerdo. Parecia que tinham passado cola. Só saiam assim. Inseparáveis. A loura passava as férias na casa da morena - morena só de cabelo. Era mais branca que a outra que era loura. Uma era Branca de Neve de cabelos pretos e pele bem branca. A outra era Cinderela de pele e cabelos dourados. Uma era Sabrina e a outra, Cris, da série As Panteras. A casa era enorme, o chão todo de mármore branco. A mesa de jantar dava para dez pessoas. Elas pegavam as cadeiras, juntavam mais algumas da cozinha e colocavam duas de cada lado, deixando um corredor no meio. Virava um avião e elas eram as aeromoças, servindo comidas e fazendo as demonstrações de vôo. Faziam novelas de rádio, gravadas em fita K7, com sonoplastia e tudo. As férias eram arte. A vida era arte. Isso durava três meses até as duas se separarem. Elas tinham criações diferentes, mundos díspares, mas quando estavam juntas tinham uma sensação só. Criavam brincadeiras o tempo todo. Acordavam brincando e iam dormir querendo acordar para brincar. Nada era real naquela casa. Os viventes nem percebiam quando se tornavam bandidos, monstros, extraterrestres.
Adoravam tocar a sineta que ficava no portão de ferro e ver quando a velha caminhava com sua sandália havaiana surrada e seu robe encardido por todo o jardim até chegar ao portão e não encontrar ninguém e xingar o ser invisível de todos os nomes mais sujos possíveis. Riam tanto, que dava “dor de facão” na barriga. A mãe de uma estava separada e morava lá e o irmão da mãe, que era pai da outra, estava separado e também morava lá. Elas passavam o dia com a velha e o velho, mas o velho quase nem falava, só fazia carinho nas duas que se deitavam em cima dele, uma de cada lado na poltrona em frente à televisão. Ele era tão cheiroso, gordinho, branquinho, confortável. A velha, ao contrário, não tomava banho, não usava calcinha, tinha pêlos no queixo, sobrancelhas feitas de lápis. E ele que era o francês.
Se conheceram quando ele veio para a Bahia a passeio de navio com a família. Se apaixonaram e ele voltou para casar com ela e morar de vez. As siamesas eram filhas de dois dos quatro filhos baianos deles.


2006

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