DOCE DE COGUMELO
½ quilo de cogumelo trazido da ilha, 2 latas de leite condensado e, finalmente, minha mãe ia fazer o tão prometido doce de cogumelo. Segundo ela, além de ser uma delícia, a viagem era das melhores.
Era final da tarde de um sábado....todos estavam reunidos na cozinha do apartamento. Parecia uma comemoração, minha mãe e meus amigos. Eu observava e adorava.
Estava com quatorze anos e me sentia o máximo – minha mãe fumava maconha, conversava sobre cinema, teatro, literatura, fazia faculdade de antropologia, era dona de um restaurante natural, namorava uma mulher e sabia fazer doce de cogumelo. Meus amigos adoravam a minha casa.
Eu tinha selecionado alguns discos para esse dia. Na época, escutávamos tudo o que Marcelo Nova mostrava no seu programa de rádio.
O doce ficou pronto, com cheiro de brigadeiro branco. Depois de esfriar, a panela começou a passar de mão em mão e a colher de boca em boca, menos pela minha.
Após algumas músicas e muita conversa, meus amigos resolveram sair do apartamento. O prédio ficava em frente ao mar e eles desceram para a praia. Eu fiquei em casa, olhando da varanda até eles sumirem na noite.
Já era madrugada quando escutei uma gritaria lá embaixo. Eles tinham voltado. A viagem não tinha sido tão doce na cidade. Um deles tinha visto um casal se agarrando atrás de uma banca de revista e pulou pra cima do homem e o atacou com socos e pontapés. Ninguém sabe o que ele viu ali. Largaram o homem todo ensangüentado, a mulher em prantos e fugiram para minha casa.
Desci.
Ele – o da viagem violenta – me abraçou chorando e me deu um beijo suave na boca.
Em segundos, já estavam dentro do carro, virando a esquina.
Não tive tempo de fazer nada, mas descobri que o doce de cogumelo não estava com leite condensado suficiente. Fiquei com um gosto amargo na boca.
2006
IT'S ROCK'N'ROLL
Um amigo de minha mãe soube que eu gostava de rock’n’roll e, aproveitando que a pessoa que mais andava comigo era um sósia de Johnny Rotten, resolveu me presentear com dois vinis importados do Sex Pistols e mais um do PIL. Nenhum dos meus amigos tinha nem sequer gravação daqueles discos. Era um sonho. Resolvi fazer uma festa de boas-vindas aos meus novos companheiros.
A casa ficou cheia, todos os meus amigos queriam ver de perto as raridades.
Quando a festa estava acabando e meus disquinhos finalmente foram descansar, percebi que dois deles não estavam em lugar nenhum. Haviam sido roubados.
Muitas pessoas não estavam mais lá. As que restaram - as mais íntimas - me consolaram dizendo que alguém deveria tê-los pegado emprestado e que os devolveria com certeza.
De manhã, telefonei para cada uma delas. Com voz de choro informei o sumiço e fiz uma campanha de não-sobrevivência sem meus discos de volta.
Duas semanas depois, recebi o telefonema de um amigo e a informação de que uma pessoa anônima tinha resolvido devolver os discos porque ficou com muita pena de mim - não pensavam que eu iria ficar tão triste. Agora, eu era como eles: puro rock´n´roll.
E o anônimo? Indubitavelmente,.....Johnny Rotten.
2006
oi karla,que ótimo! te mando um poema(meu) escrito há mais de 20 anos para celebrar o seu blog.
ResponderExcluiraramis me acordou com um punhal entre os dentes um lado da boca sorria o outro tremia.
Bjs.
Será que vc descobre quem sou eu?
Não consegui descobrir.....mande mais pistas....rs
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