quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

MANIA DE CLARICE

A porta do armário sempre ficava um pouco aberta e quando ela ia tentar fechar, fazia um barulho irritante. Mesmo assim, ela preferia o barulho a ter que deixar aquela gretinha mostrando as roupas. Na verdade, tinha uma cisma. Essas coisas que você absorve desde a infância de algum paranóico da família. Quase sempre se vê o outro fazendo, todos criticam, mas um sempre acaba agindo igual sem perceber.
Clarice era assim, cheia de manias. Algumas herdadas outras inventadas. E eram manias periódicas. Ela passava um tempo piscando os olhos, outro com uma tossinha seca e em algumas fases piores pegava com a ponta do dedo anular em determinados pontos escolhidos por onde passava. A depender de como estivesse sua vida, podia recorrer a todas de uma só vez. Ela se achava ridícula, mas não podia parar. Todas essas manias estavam condicionadas ao bem e ao mal. Se ela não fizesse determinada coisa, algo ruim poderia acontecer, como se fosse um castigo, uma autopunição. Se fizesse tudo como deveria e mesmo assim desse errado, ela era culpada do mesmo jeito. Sempre se achava culpada de tudo que acontecia.
Estava infeliz. Perdendo o controle do seu corpo. Inevitável. O inevitável que era a não-modificação, o não-poder, a não-consciência, a não-estrutura.
Estava longe das boas emoções, das boas surpresas.
Seu corpo não tinha mais onde conservar tanta mágoa.
A felicidade se tornou clandestina, escondida na gretinha do armário, entre as roupas.

2005

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